Por: Carlos E. Panitz*, MSc
O papel da governança no processo de S&OP é frequentemente questionada sobre quais são os principais pilares de sustentação desse processo. Para muitos, esses pilares podem ser definidos como capacitar as pessoas, implementar um modelo de referência de mercado e utilizar tecnologia para habilitá-lo. É a famosa tríade, um pouco clichê, conhecida como pessoas, processos e tecnologia. No entanto, para que estes pilares cumpram o seu papel, existe um elemento adicional deve fazer o papel ligação entre eles. Esse elemento chama-se “a governança no processo de S&OP”. Em que pese que o conceito de governança seja aplicado em diferentes instâncias de uma organização, no âmbito do processo de S&OP existem questões específicas que moldam o seu papel e como ela pode ser estruturada para operar.
Considerando como ponto de partida que um modelo de governança deva endereçar pelo menos quatro vetores chaves de antenção: (1) Alinhamento Estratégico; (2) Proposta de Valor; (3) Gestão de Performance e; (4) Gestão de Risco; como aplicá-los para estabelecer um modelo de Governança de S&OP?
Começando pelo primeiro deles, Alinhamento Estratégico, é importante lembrar que S&OP é o processo organizacional que faz a conexão entre o Plano de Negócio da Organização e o Plano Operacional. Enquanto que um plano de Negócio possui métricas com um viés mais financeiro e estratégico, o Plano Operacional lida com métricas de execução que em sua maioria são locais (vendas, logística, operações, etc). Fazer essa conexão entre objetivos estratégicos e operacionais requer que o modelo de governança tenha representatividade de três grandes funções da organização: Vendas e Marketing, Operações (Supply Chain/Manufatura) e Finanças. A visão combinada dessas três funções é essencial para que objetivos estratégicos sejam desdobrados para o nível tático de forma consistente, clara e balanceada. Este alinhamento estratégico deve endereçar temas relevantes que nortearão o processo de S&OP, tais como:
Objetivos financeiros – Receita para o ano fiscal; – Lucro Operacional (EBIT); – Retorno sobre ativos (ROI, RONA, GMROII); – Necessidade de Capital de Giro (NCG); | Objetivos não financeiros – Market Share; – Lançamento de Produtos; – Utilização de ativos; – Tempo de atendimento dos pedidos; |
A falta da representatividade dessas três funções da organização pode implicar num desdobramento inadequado dos objetivos estratégicos nas decisões em nível tático. Cabe notar também que o exercício de confrontar objetivos estratégicos com métricas operacionais, implica necessariamente na presença ativa da alta gestão dentro do processo de S&OP, bem como pessoas chaves do nível de operações que efetivamente realizam o processo de planejamento tático. Não é suficiente apenas o apoio da alta gestão reiterando “esse processo é importante e todos precisam apoiá-lo”. No caso do S&OP, o apoio da alta gestão significa ter um protagonismo no processo decisório de cada ciclo de revisão de planejamento. Existe inclusive uma etapa do processo dedicada à participação da alta gestão, referida como etapa 5, que muitas vezes é chamada de ‘Reunião Executiva’.
O segundo vetor de atenção é a Proposta de Valor. Qual a proposta de valor do processo de S&OP para a organização? Esse entendimento deve ser explicitado para que todos os participantes do processo possam entender as implicações para as suas atividades e qual é o seu papel. Por exemplo, a proposta de valor de um processo de S&OP pode ser “ajustar a cada três semanas o ciclo de planejamento tático de modo a se aproximar ou exceder os objetivos financeiros estabelecidos, ponderar eventuais ‘trade-offs’, avaliar riscos dos cenários apresentados, respeitando os leadtimes do negócio e níveis de serviço estabelecidos”. Cada organização deve como definir, desdobrar e comunicar a proposta de valor do seu processo de S&OP. Outros exemplos de elementos que podem fazer parte de uma proposta de valor são: criar um ambiente colaborativo para engajar toda a organização de vendas; colaborar com clientes selecionados no canal de vendas; gerar ‘accountability’ sobre o processo decisório, garantindo o seu aprimoramento ao longo dos ciclos; Prover um modelo integrado e colaborativo que permita a modelagem de todas as variáveis relevantes para o planejamento tático; etc.
Avançando para o terceiro vetor, Gestão de Performance, é fundamental definir um conjunto de métricas, metas e forma de interpretá-las. Um sistema de Gestão de Performance balanceado deve promover uma visão sistêmica e o entendimento das relações causais entre os fenômenos que métricas selecionadas representam. Se o processo de S&OP é um dos principais guardiões do equilíbrio entre os objetivos financeiros de uma empresa, é correto dizer que a abrangência das métricas envolvidas na sua orquestração envolvem os principais macro-processos da cadeia de valor de uma organização (i.e. entregar, produzir, suprir e planejar). Como resultado, pode-se concluir que existe uma forte tendência de surgirem ‘trade-offs’ entre os objetivos da cadeia como um todo e “ótimos locais”, como por exemplo, maximizar eficiência de fábrica, minimizar inventários, atingir metas de receita independente do mix planejado anteriormente, etc.
Esse é um dos grandes desafios da Gestão de Performance dentro do processo de S&OP, lidar com ‘trade-offs’ e riscos decorrentes da dinâmica imposta ao longo de toda a cadeia de valor: alterações de demanda, mudanças macro-econômicas, restrições na cadeia de suprimentos, mudanças no comportamento de consumidores, concorrentes e canais de venda. Um processo maduro de S&OP baseia-se fortemente em métricas que capturam as principais variáveis que podem afetar os objetivos financeiros da organização. Cabe ressaltar também que muitas dessas métricas2 não são exclusivas do processo de S&OP, mas possuem relevância quando inseridas nessa instância de decisão, como por exemplo EBIT, Giro, OEE, OTIF, etc.
A idéia de se implementar um modelo prescritivo de Gestão de Performance é muito tentadora, mas deve ser avaliada com cautela, pois cada organização possui um ‘envelope de performance diferente’. Fatores como diversidade do portfólio de produtos, estratégia de atendimento, leadtimes da cadeia, dispersão geográfica dos clientes, grau de verticalização tornam qualquer iniciativa de benchmarking um processo de aplicação limitada ou com ressalvas. Construir uma base de dados com o histórico das próprias métricas é tão importante quanto tentar compará-las com bases de dados de benchmark ou com outras empresas. Usar métricas para tomar decisões no processo de S&OP é um exercício de busca de coerência entre elas e não o melhor resultado de cada uma delas individualmente, pois o processo de S&OP deve ser o guardião do resultado final da empresa. Por essa razão, o desafio da Governança sob o vetor Gestão de Performance é definir três questões: (1) quais são as métricas relevantes para suportar cada uma das etapas do processo de S&OP? (2) quais devem ser seus parâmetros de controle (thresholds) e forma de cálculo (grandulidade, agrupamentos)? e (3) quais são as diretrizes pelas quais deve-se interpretá-las em conjunto?
O quarto vetor de Governança, Gestão de Riscos, possui como focos de atenção avaliar as implicações de diferentes cenários de decisão que podem estar sendo submetidos nas etapas quatro e cinco do processo de S&OP, respectivamente, Pre-SOP e Reunião Executiva. Por exemplo, se existe um cenário de demanda futuro que vai exigir a contratação de mais pessoas ou investimento em ativos, cabe ao corpo executivo responsável por gestão de riscos, ponderar todas as informações disponíveis e avaliar qual o cenário que mais vai de encontro aos objetivos da empresa e qual o risco associado. Caso esse cenário de demanda não se concretize, a empresa terá dispendido recursos ou realizado investimentos que não se mostraram necessários. Algumas outras situações típicas de decisões dentro da alçada do processo de S&OP que envolvem gestão de risco são:
- Antecipar ou postecipar o lançamento de um produto;
- Acelerar a introdução de um produto, mesmo que isso envolva custos e riscos adicionais;
- Produzir antecipadamente (aumentando os níveis de inventário) para atender o pico sazonal de demanda futuro (que pode não se realizar da forma que foi apresentado);
- Produzir antecipadamente para diluir custos fixos elevados com a expectativa de que a demanda projetada ocorrerá de modo a absorver todo o estoque adicional;
- Estimular a demanda com ações promocionais (descontos) de tal forma que o resultado final alcance os objetivos financeiros previstos.
A natureza das decisões acima normalmente envolve cifras expressivas de valores e, portanto, devem ser tomadas no nível executivo e sempre à luz de metricas que permitam quantificar os riscos e impactos de cada um dos cenários avaliados. É importante destacar que na maioria dos casos, a variável de decisão que mais representa fonte de variabilidade ou incerteza é o comportamento da demanda futura. A demanda não é a única fonte de variabilidade ao longo de uma cadeia de valor, mas é para a maioria das empresas a variável mais suscetível à mudanças no horizonte tático. Pelas razões expostas, é de extrema importância que se utilizem métricas de erro de planejamento para diferentes horizontes de tempo, quando se quer avaliar o risco de diferentes cenários de decisão que envolvem demanda. Um cuidado importante para o cálculo dessas métricas é utilizar um nível de agregação que permita garantir a relação causal entre a medida do erro e o impacto em outras métricas. Lembrando que ponderar o resultado de uma métrica para se obter uma visão agregada é diferente de calcular a métrica a partir de dados agregados. Por exemplo, se o MAPE (Erro Médio Absoluto Percentual) calculado em nível de SKU de um produto A fosse de 10% e esse produto representa 95% da venda e o MAPE de um produto B fosse 200% mas ele só representa 5% da venda, o risco da empresa antecipar a produção de A para atender um pico sazonal seria muito baixo. Já antecipar a produção de B implicaria num risco muito elevado. Assumindo que A e B pertencessem a mesma família, se a empresa tivesse feito o cálculo do MAPE por família, poderia estar incorrendo no erro de antecipar A e B indistintamente. Além do que, erros positivos de A seriam compensados por erros negativos de B e vice-versa.
Quanto maior for a habilidade de fazer o uso combinado das métricas que suportam seus resultados financeiros (MAPE, EBIT, Giro de Inventário, OTIF) para ponderar riscos e ‘trade-offs’, melhor tende ser a qualidade da tomanda de decisão e o alinhamento com os objetivos estratégicos da organização. Como última recomendação, é conveniente se ter flexibilidade para selecionar o nível de granulidade onde estão as principais anomalias, erros e riscos. Avaliar métricas de forma segmentada por grupos de interesse de produtos (e.g. itens novos, produtos correntes, produtos promocionais, etc) e clientes (e.g. clientes estratégicos, clientes frequentes, clientes curva A, clientes do canal X, etc) é uma boa prática que potencializa ainda mais o foco e a eficácia dos julgamentos e decisões. O uso de sistemas de S&OP que oferecem essas possibilidades é uma maneira de viabilizar de forma efetiva a ação sobre esses 4 vetores que formam a base da Governança de um processo de S&OP.