Por que gestão de portfólio deve fazer parte do S&OP?

Por: Carlos E. Panitz*, MSc

Este artigo é o segundo da série de seis artigos que tratam do tema Sales & Operations Planning (S&OP) e IBP (Integrated Business Planning). No primeiro artigo, o tema central foi de que forma o processo de S&OP traz resultado para as organizações que o aplicam. Para elaborar essa questão, as cinco etapas que compõem o processo foram apresentadas de forma sintética. Dando continuidade, este segundo artigo abordará de forma mais aprofundada a primeira das cinco etapas de um processo de S&OP (Gestão de Portfólio). Os demais quatro da série, as etapas subsequentes.

Se existe um processo que vem se tornando cada vez mais importante dentro da gestão de cadeia de suprimentos é o gerenciamento de portfólio. Qualquer empresa, seja de produtos ou serviços, indústria ou varejo tem experimentado essa dinâmica em uma ou mais dimensão: (1) crescente opções ao consumidor, por vezes em demasia; (2) mais interações cruzadas com outros produtos ou serviços (e.g. quando um produto arrasta a venda de outros); (3) maior capilaridade de pontos de venda, o que dificulta a definição de um mix único para todos os clientes e canais; (4) ciclos de vida de produtos mais curtos e; (5) competição mais dura.

Existem casos amplamente divulgados e emblemáticos de empresas que tiveram que tomar iniciativas radicais de revisão de portfólio por não tratarem esse assunto como um processo estruturado. Dois casos bem conhecidos no setor de tecnologia são o da Apple, que após o retorno de Steve Jobs em 1997, reduziu em aproximadamente 70% o seu portfólio de produtos e a Dell Computer que reduziu em 99% o seu portfólio e modificou sua estratégia de canal a partir de 2007. Esses são dois exemplos de empresas que agiram com grande intensidade para redirecionar sua estratégia em função do elevado impacto que estavam sofrendo em caixa, margem, tempo de entrega e inventário. Parte desses impactos era função de portfólios muito amplos. Sem um processo estabelecido para tratar as entradas, saídas e segmentação de produtos em seu portfólio, uma organização poderá sofrer, por vezes de forma silenciosa, de um crescente aumento de complexidade em seus processos de planejamento tático, industriais, logísticos e comerciais.

IUm Portfólio gerenciado como uma atividade eventual só consegue identificar e avaliar as situações mais evidentes, que então são ‘faxinadas’ do catálogo de vendas da empresa. Uma abordagem mais estruturada deve enxergar esse assunto sob dois lados simultaneamente: o valor que um determinando produto gera para a empresa e a complexidade associada à adquiri-lo/produzi-lo e disponibilizá-lo. Existem diversos métodos que podem ser utilizados para criar um processo de gestão de portfólio. A escolha por um deles deve resguardar o quanto o método escolhido representará razoavelmente as principais atividades afetadas do negócio. Portanto, pode-se escolher desde um modelo mais simples baseado essencialmente em dados transacionais para suportar o processo de tomada de decisão até modelos mais elaborados e ‘customizados’ que capturarão de alguma forma a complexidade dos processos afetados pelo portfólio. ilustrar, serão apresentados três métodos que podem ser adaptados para estruturar um processo de gestão de portfólio no âmbito do planejamento tático. Isso significa que são métodos que auxiliam nas decisões em nível de “item” e não em nível estratégico como a Matriz Mckynsey/GE e a Matriz BCG, que auxiliam na avaliação de portfólios de unidades de negócio ou linha de produtos. As questões pertinentes ao planejamento tático são do tipo: Qual modelo de produto permanecerá? Qual será descontinuado e qual será substituído? Qual opcional ou variante de produto deve ser adicionada ou eliminada? Quando deveremos planejar o phase-out e quando e com que velocidade um novo produto será introduzido? Em um ambiente real, esse processo de avaliação deve ter condições de responder essas questões de forma rápida e eficaz para centenas ou milhares de itens que uma empresa possui em seu portfólio.

Os dois primeiros métodos partem apenas de dados transacionais e, portanto, mais simples de serem automatizados. Ambos podem ser representados por matrizes de segmentação que facilitam a visualização do resultado da análise. O primeiro método utiliza uma matriz que segmenta os itens em função da sua margem de contribuição, recorrência de vendas e quantidade de clientes atendidos. A recorrência de vendas é medida através do número de dias desde a última venda. Essa informação posiciona o item na escala vertical da Matriz. Na escala horizontal está a informação da margem de contribuição versus a demanda. Na falta de uma informação confiável para margem, pode-se utilizar o faturamento médio dos últimos 6 meses. Cada item nessa matriz será representado por um círculo cuja área representa a quantidade de clientes que compraram esse item nos últimos 6 meses. Dessa forma, pode-se segmentar os produtos em quatro regiões: (1) priorizar atendimento; (2) manter; (3) manter mas com política de atendimento mais conservadora; (4) Questionar a manutenção no portfólio. O quadrante ‘questionar’, que combina baixa contribuição e baixa recorrência de venda, deixa em bastante eviência os itens que não estão contribuindo para o resultado da empresa e podem ao mesmo tempo estar agregando complexidade ao negócio.

O segundo método tem um propósito semelhante, mas segmenta fazendo um simples cruzamento entre as curvas ABC de produto e de clientes. O quadrante formado pela curva A de cliente e de produtos deve receber atenção diferenciada em termos de atendimento, nível de serviço e foco em todas as atividades. É de lá que vem a maior parte de receita da empresa. No outro extremo encontra-se o quadrante formado pela combinação das curvas B e C de clientes e de produtos. O tratamento desse quadrante deve ser o de constante questionamento sobre preços, manutenção de produtos e clientes, acordos comerciais, ticket mínimo, etc. Os outros dois quadrantes, Curva A de clientes com curva B e C de produtos e Curva B e C de clientes com curva A de produtos deve receber uma segmentação mais seletiva. Manter, mas… “reduzir as opções”, manter mas… “trabalhar com nível de serviço menor”, manter mas “oferecer atendimento simples”.

O terceiro método envolve a definição de atributos de ponderação para os quais se definem faixas de pontuação com base em critérios acordados. Esses atributos devem ser escolhidos e descritos de acordo com as características, objetivos e complexidade do negócio da empresa. O objetivo final é definir um ou mais índices que auxiliem na avaliação se o item e/ou cliente deve permanecer ou ser excluído do portfólio e, se permanecer, que tipo de ação deva ser tomada. Para uma empresa do segmento alimentício, por exemplo, variedade no portfólio impacta fortemente na complexidade dos processos fabris e logísticos, que ao final pode repercutir em custos mais elevados, perdas por prazo de validade e ações promocionais em demasia. Alguns atributos que poderiam representar essa complexidade: (a) demanda/lote mínimo de produção; (b) % mínimo de prazo de validade para vender ao canal; (c) número de SKU’s na mesma família e; (d) % de volume por faixa de desconto / volume total. É importante destacar que o fato do item ter recebido uma nota alta de complexidade nem sempre significará que o seu destino está selado automaticamente. É interessante avaliar essas notas dentro de um contexto. Por exemplo, monitorando o crescimento do número de SKU’s com alta complexidade dentro o total de SKU’s vendidos ou produzidos numa fábrica ou entregues por um fornecedor. Se houver uma tendência de crescimento de SKU’s com alta complexidade, seria prudente disparar ações para reduzir a sua diversidade ou o fator que gera complexidade aos processos logísticos ou fabris.

É possível também incorporar atributos que representam informações de inteligência de mercado ou objetivos estratégicos da empresa como por exemplo: atratividade do mercado (tamanho do mercado), alinhamento com a estratégia da empresa, grau de inovação, canibalização, competências essenciais, número de competidores, etc.

Existem cenários de negócio que podem demandar técnicas mais específicas para que o processo de gestão de portfólio seja efetivo. Para empresas que possuem produtos configurados, os métodos serão aplicados um ou mais níveis abaixo do código do produto final. Indústrias como a moveleira, de implementos agrícolas, de computadores ou automotiva experimentam complexidade justamente pelas combinações de opcionais que podem ser oferecidos aos consumidores finais. A aplicação de métodos analíticos como o da análise de cesta de compras (Market Basket Analysis) ou a análise do grau de comunilidade entre os produtos configurados podem auxiliar a “limpar” a diversidade de opções que, combinadas, geram centenas ou milhares de opções e pontos de decisão no planejamento da cadeia. A habilidade de uma organização dominar essas técnicas e ferramentas pode tornar-se um diferencial para alavancar o desempenho de sua cadeia de suprimentos.

Para empresas que já aplicam métodos de gestão de portfólio como um processo, o próximo passo talvez seja conectá-lo com outros processos que podem ser alavancados como de gestão de demanda, por exemplo. Não por acaso, os modelos de referência de S&OP mais recentes, que também tem sido chamados de IBP, preconizam que Gestão de Portfólio é a primeira etapa do S&OP/IBP. Para empresas que não aplicam nenhum método estruturado, cabe lembrar a propaganda de 1981 daquele cereal que dizia “existe mil maneiras de preparar Neston, invente uma.” Portanto, invente, adapte um método, mas não deixe que o gerenciamento de portfólio seja tratado apenas como uma atividade esporádica ou uma força tarefa.

Se você quiser receber a versão completa em PDF deste e outros artigos publicados pela VE3, que incluem gráficos, tabelas e outros exemplos, entre em contato conosco pelo email: carlos.panitz@ve3.com.br

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